terça-feira, 15 de dezembro de 2009

HINO DO INSTITUTO FEDERAL




































HINO AO INSTITUTO FEDERAL – Campus de Picos

Douglas Nunes


Depende de nós o desejo de escolher

Que é possível um novo amanhecer,

Por isso canto este Hino

À juventude intrépida e radiosa

que refulge qual sol das manhãs

em meu Instituto Federal.


Quero ver meu país crescer

e comigo viver os encantos meus,

Viver a lembrança dos amigos

E o carinho dos professores,

Meu Instituto, meu canteiro do saber.


Salve, minha escola do futuro,

Por ti sentimos muito orgulho;

O teu passado revela tradições

e feitos gloriosos da história,

De exaltação e disciplina,

És a razão da nossa vitória.


Quero ver meu país crescer.... bis


A lição que vou sempre guardar

É a grandeza de saber amar.

Oh! Meu Instituto Federal

A ti entrego meu parecer

O que levo no meu bornal

são os aguilhões do saber!


Quero ver meu país crescer.... bis


Nos nossos pensamentos,

No trabalho e no lazer,

Tem sido o nosso alento,

Nas salas de aula, imenso prazer.

Oh! Instituto, a ti agradeço,

A tí ofereço meu conhecimento!


Quero ver meu país crescer.... bis

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M E U D E P O I M E N T O


Meu nome é Douglas Moura Nunes, nasci em Picos, PI., no dia 05 de junho de 1951. Sou filho de Alberto de Deus Nunes e Almerinda Batista de Moura Nunes, sendo o quinto de uma família composta de 11 irmãos. Quando nasci, meu pai era coletor federal e Inspetor de ensino do ginásio de Picos e era muito ligado ao jornalismo. Ele fundara junto com outros idealizadores intelectuais da época, o jornal “A Ordem”, onde escrevia crônicas, artigos, poemas, contos etc. Meu pai era poeta, escreveu o livro “Manifestações Poéticas” que foi publicado muitos anos depois de sua morte. Era professor, correspondente e escritor. Meu pai era autodidata. Confeccionou dicionários à mão pois não tinha como adquirir. Como funcionário federal, foi designado a fiscalizar as aplicações de provas no Ginásio de Picos. Confiando no diretor e professores, rubricava com antecedência as folhas oficiais das provas. Sentindo que estava sendo enganado, recusou-se a rubricar as tais provas. Este fato acarretou-lhe sérios dissabores. Foi ele insultado, humilhado. Fizeram um caixão e cobriram-no de pano preto com uma cruz à frente, como um enterro, levando até em frente à sua casa, na hoje atual rua Francisco Santos. Tachando o professor, o jornalista, o poeta, o escritor Alberto Nunes de analfabeto, entre outras coisas. Minha mãe abraçada aos filhos pedia calma e nos confortava. A rua encheu-se de gente num tumulto apavorante. A confusão demorou. Parecia não terminar. -“Foi a noite mais longa de nossas vidas!” conta o meu irmão Jeovah de Moura Nunes que naquela época tinha 7 anos de idade.
Minha mãe colocava-nos para dormir sob uma grossa mesa de madeira para proteger-nos das pedras atiradas sobre o telhado. Nos dias subsequentes meu pai considerou que não poderia permanecer mais em Picos e decidiu partir. Exonerou-se do cargo de inspetor e transferiu-se para a cidade de São Simão, no interior de São Paulo. Enfrentando todo tipo de dificuldade, parte a família para o desconhecido, para uma região onde predominava o frio, em temperaturas abaixo de 0º, castigando furiosamente os viandantes desavisados do frio. Além, sobretudo, do preconceito aos nordestinos existentes nas escolas do estado de São Paulo naquela época.
A minha infância passei na cidade de São Simão e Jaú. Mas foi nesta última cidade onde aprendi minhas primeiras letras. Naqueles tempos de ingenuidade infantil, eu era feliz e não sabia. Tinha meu pai que foi o meu maior tesouro. Eu o admirava e o tinha como um herói. Lembro-me que foi com extrema dificuldade que ele comprou uma casa na Rua Humaitá, 309 em Jaú e procurou fazer uma reforma. Aos poucos foi derrubando paredes, comprando janelas, portas, cimento, telhas e acabou endividando-se e no fim se viu obrigado a hipotecar a casa e depois vendendo-a. Tivemos que nos mudar. Fomos morar na capital paulista onde continuei os meus estudos, no Colégio Alarico Silveira na Rua dos Italianos no bairro Bom Retiro. Seria um bom colégio para a época se não fosse a discriminação que todos tinham com os estudantes nordestinos.
No entanto, pouco tempo depois, no dia 13 de abril de 1969, partia o meu pai deixando-nos a sós. Tudo o que tínhamos, desapareceu. Aos poucos fui deixando os estudos. A família desorientada passou então a ter imensas dificuldades; faltava-nos o essencial, o básico. Houve dias em que nada se comia; muitas vezes comíamos apenas farinha. Quando os meus sapatos começaram a furar e a faltar os materiais escolares e a farda, abandonei a escola. Não tinha mais vontade de estudar. Não havia opção a não ser deixar a escola. Não poderia suportar a zombaria dos alunos ao constatarem meus sapatos furados e os dedos expostos; nunca mais frequentei uma sala de aula. Deixei também o lar. Nossa família parecia se desmanchar. Brigávamos entre nós. Irmãos que não compreendiam a necessidade de união naquele momento extremo.
Morando fora de casa... como um pássaro distante de seu abrigo, sentia-me desprotegido. Andei muito por esse mundo de meu Deus, como se fosse um itinerante sem destino, sem casa, sem pousada. Meus problemas aumentavam a cada dia e me vi cercado pela droga que era algo desconhecido para mim. Até mesmo os meus amigos, aqueles que julgava ser, provaram o contrário. Consegui, no entanto, vencer esse primeiro grande desafio da minha vida e por isso me julgava um vencedor. Aliás, único vício que adquiri em toda a minha vida (com exceção do cigarro que me perseguia), foi o da leitura e a conviver sempre próximo a eles.
No mesmo ano consegui um emprego na Imprensa Oficial do Estado de São Paulo onde exerci a função de auxiliar de gráfico durante pouco mais de três anos, convivendo com impressoras rotativas e off-set e na confecção de livros, além de revistas e jornais; época em que os movimentos estudantis contra a repressão militar estavam acirradas e mesmo não sendo estudante fui envolvido quando, certa vez, ajudei alguns amigos meus a fixas as faixas de protestos nos corre-mãos do viaduto do Chá e na Praça Ramos de Azevedo, em frente ao Teatro Municipal em São Paulo, fomos cercados por centenas de policiais militares que caíram sobre nós sobrando cacetadas pra todo mundo. Um tumulto generalizado se formou. Lembro-me da presença de um rapaz junto à mim entre os carros parados, quando um artefato atingiu-lhe a cabeça. Era uma bomba de gás lacrimogêneo que deveria pesar meio quilo. Ali mesmo ele ficou, estirado no chão no meio à poça de sangue e à fumaça do gás. Corri entre os carros, no meio à turba apavorante e consegui junto com a maioria nos evadir, livrando-nos da prisão que seria o fim para nós todos. Perseguido então pelos militares em nossas próprias residências, uma vez que foi feita algumas prisões, procurei afastar-me de São Paulo, assim como igualmente fizeram meus amigos. Embarco então para o Piauí onde permaneci por vários meses. Na ocasião trabalhei na Empresa Sondotécnica, Engenharia de Solos Ltda., uma empresa do Rio de Janeiro que construía a BR-316, entre os trechos de Picos e o Km 87 (povoado na época).
Já no ano de 1978, empreguei-me como Gerente da Empresa Redenção, na antiga Rodoviária de Picos, e também como Encarregado da Limpeza Pública de Picos na gestão do então prefeito municipal Valdemar Rodrigues e fui radialista pioneiro na então recente inaugurada Rádio Difusora de Picos.
Minha vida foi sempre ler. Nunca deixei de ler, lia muito e a partir da leitura, passei a escrever; entre os rabiscos que empreendia no papel, surgiu um pequeno opúsculo que continha histórias de minhas experiências de vida; reminiscências na capital paulista além de fazer alusão de minha vida futura, entre os anos 80. O título: “Duas Direções em Quatro Retornos”.
Mas escrevia versos também, procurando imitar o meu pai. Ao contrário dele, eu escrevia poemas à revelia considerando que o poeta é inverossímil e que escreve por escrever, deixando fluir a sua fonte de saber sem se implicar com os resultados. Era por isso que eu escrevia... escrevia em todo lugar, sem me importar com nada. Todo poeta é um encantador, mas também um amante da solidão. Por isso penso que se pudesse perceber o que se passa na alma dos poetas, talvez descobrisse a fórmula de evitar as desilusões, já que os enganos e desenganos alcançam a todas as pessoas. Elos da Poesia, o livro que escrevi, são experiências por mim vividas ligadas que foram aos meus próprios desenganos. Meus enigmas melhor dizendo. Enigmas expressas no livro. Essa minha obra, é a minha obra prima porque é única, é o livro do meu momento. Foi o momento que vivi toda emoção pela sua criação. E, no entanto, é quase gótica. Fala da morte como se falasse da vida. Mas sempre considerei que a morte faz parte da vida. Na verdade fui muito influenciado pelas poesias de meu pai, que trata a morte com muita naturalidade. Os manuscritos poéticos de meu pai davam-me esse alcance e eu enxergava isso nos seus versos.
Finalmente, chegou para mim a minha cara metade. Ela se chama Geny Gomes Lacerda, e nos casamos para a vida e para a morte. E logo chegou também os filhos. Ah! Os filhos, quem os compreende? Mas não chegaram só os filhos... Chegavam também as preocupações... Com eles a educação. Meu salário minúsculo não dava mais conta das despesas. Tudo subia de preço e meu salário desaparecia nos juros altos e na inflação galopante que existia na época. Meus filhos não queriam saber de nada disso. Queriam o alimento e também mereciam uma boa educação, por isso aumentava a responsabilidade e também os exemplos que os nossos filhos precisavam. Mas como dar-lhes o exemplo? Naqueles momentos inesquecíveis, eu apenas agradecia a Deus pelos filhos maravilhosos que havia nos presenteado. Eles foram tudo para mim. Para complicar ainda mais a minha vida tão sofrida, a minha mulher adoeceu e não houve solução para melhora. Era a famigerada depressão que lhe atingiu e até hoje a persegue. Depressão não tem cura, disseram-me. A cura é a paciência e os remédios não solucionam. Também me disseram. Tudo é a paciência. E assim vamos levando até quando? Não sei.
Mas era também apaixonado pelos livros, sempre fui. “Livros de todos os tipos, abertos para serem lidos, Livros: Os passatempos da Alma”. Como diz Castro Alves: “Livros... livros à mão cheia... E manda o povo pensar! O livro caindo n'alma ... “ - Um dos únicos livros que ainda não tinha lido. E fui à procura de uma biblioteca municipal para leitura dessa obra. Qual não foi minha decepção em descobrir a inexistência de bibliotecas na cidade. Por isso, percebendo essa grave deficiência dos órgãos competentes municipais que não possuía bibliotecas, fundei a Biblioteca Comunitária Casa do Livro que passou a funcionar em minha própria casa no Bairro das Pedrinhas em Picos. Tenho livros ao meu alcance, durmo com os meus livros. Sim, porque todas as pessoas que pensam em escrever, realizar essa grande revolução e guinada na história, ou seja, transformar a humanidade através das letras devem ler. Ler sempre. Então todos os homens devem pensar e se preocuparem com a educação. Podem até divergirem-se, mas antes de tudo devem ter idéias que lhe brotem variavelmente no pensamento. Idéias que norteiam a humanidade e lhe abrem o caminho da verdade. Isso só é possível através da leitura. Ler, ler muito para compreender a si mesmo.
Meus parcos recursos continuavam miúdos. Por isso na tentativa de aumentar os rendimentos, fundei o “Jornal dos Bairros”, periódico com tiragem de trezentos exemplares e circulava mês sim mês não. Por não saber administrar, acabou encerrando suas atividades. Talvez se tivesse estudado Administração, com certeza ainda teria o jornal em atividade. Depois disso, passei a trabalhar como repórter free lance dos jornais “Folha de Picos” e “Jornal Total”, além de escrever artigos e crônicas para diversos jornais da cidade. Era difícil para mim conciliar os artigos que escrevia com meus limitados conhecimentos. Mal tinha estudado e não possuía sequer o segundo grau. Sentia constrangimento ao escrever sem conhecimento de causa. Era necessário voltar a estudar e dedicar-me aos estudos. Pensava: Como fazer?
Mas acredito muito no destino de cada ser na Terra e por isso, certo dia, o meu filho Celles Antonio, estudante do Instituto Federal de Educação (antigo Cefet), ao chegar em casa me diz: -“Pai, o senhor não fala tanto em voltar a estudar? Lá no Cefet estão com inscrições abertas para o Proeja!” Pensei: Proeja, o que seria? Curioso, compareci ao Cefet e fiz a minha inscrição e logo fiz os testes. Pelo visto, passei em quarto lugar e fiz também a matrícula. Indicaram-me a data de início das aulas, lembro-me bem: 12 de agosto de 2008.
Estava ansioso pela volta à escola. Confesso a minha alegria em sentar no banco escolar depois de tantos anos! Foi para mim um momento inesquecível! Foi como se estivesse voltado ao tempo... Tempo de menino, aquele assustado que comparece o primeiro dia em sala de aula e chora! Aquele meu primeiro dia fez-me descer uma lágrima e prometi ali mesmo que jamais deixaria de estudar no Proeja. Proeja que me abria as portas e dava-me oportunidade de ser alguém na vida.
Hoje sou aluno do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia – Campus de Picos – PROEJA, com muito orgulho! Não chego atrasado, não falto às aulas, sento-me nas primeiras cadeiras para melhor enxergar, ouvir e compreender o professor e acima de tudo, quero fazer a diferença. O Proeja trás essa proposta de preparar os jovens e adultos para atuarem no mercado de trabalho através de cursos médios profissionalizantes. O Proeja é essa determinação governamental de atender à demanda de jovens e adultos pela oferta de educação profissional técnica de nível fundamental e médio. E se visa proporcionar o efetivo exercício da cidadania, porque não aproveitar essa oportunidade? Proeja - Programas como esse, que ensina a jovens e adultos, sem distinção, dá-nos um imenso conforto, sem falar do ensino de excelência que proporciona.
Hoje posso dizer: De todos os fatos acontecidos na minha vida, o que mais me tem marcado não são os fatos passados. São os que acontecem presentemente. Já me sinto um cidadão realizado. Já tenho voz para falar sem constrangimento de não possuir o segundo grau, e mais ainda: O diploma de Administração de Empresa que vou conquistar. E não vou parar por aí. Prosseguirei os estudos para atender a vontade de meu saudoso pai. Fazendo a vontade dele, atenderei também a vontade de meu filho que me indicou o Proeja. Sempre digo que as coisas não acontecem por acaso. Nem mesmo as estrelas existem por acaso. Mas porque obedecem a uma Lei. Uma Lei Universal. Cada brilho, cada estrela representa vida; a Humanidade não se limita somente ao nosso planeta; Mas todo o Universo! Tudo tem uma causa, por isso agradeço a Deus por tudo que Ele tem me proporcionado.
E por ter ganho o Concurso Literário com o conto: “A Janela de Cortinas Brancas”, em setembro de 2009, pelos Cem anos do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia; pela publicação de meu livro: “Elos da Poesia”, e por ter sido Eleito hoje: 05 de dezembro de 2009, Presidente da UPE – União Picoense de Escritores, além do meu Depoimento relatado no Fórum Mundial de Educação Profissional e Tecnológica em Brasília – DF., realço a confiança naqueles que se dedicam à Educação através do Proeja. Digo com todas as letras, o Proeja ajudou-me em minhas realizações.
Aprendi muito. Penso até que não seria merecedor de participar de tão grandes eventos. Além da confiança em mim depositada, quero agradecer do fundo do coração a esta entidade que se chama PROEJA.
Tudo o que se faz com amor frutifica, tudo aquilo que colocamos toda a nossa energia, de algum modo retorna com benefícios que nem sempre sentimos, mas mesmo assim é altamente gratificante, embora eu ainda tenha muitos objetivos na vida, pois onde eu estiver posso conquistar tesouros desta magnitude de valor incalculável no Universo como o que tenho hoje: O SABER!


Muito Obrigado.

Douglas Moura Nunes
Picos, PI., 05 de dezembro de 2009

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Amar a Poesia


É a essência do poeta

Quando faz poesia,

à sua volta toda a harmonia.

Amar a Poesia
É a vida do poeta
Poeta que nasce

e que vive do coração

Enfeita a vida e a canção.

O que é a poesia...?
Se não for uma linda rosa
num céu translúcido que encanta

Será a criança que canta

a canção de ninar.

O que é a vida...?

Se não é o coração e a alma?
A vida,
que faz os sonhos

A beleza, a alma, a rima

que todo poeta assina.


Esta é a vida e a poesia
do apaixonado que sonha
reviver ilusões da poesia,
Se não é a magia que chama,
É-lhe, sem dúvida, a beleza que encanta.

Todo poema trás a beleza

Quando declama seus versos,
ou quando no seu peito o coração
os versos em lágrimas reclama
a dor da criação, todo seu pranto.


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E N O I
Um raio foi a causa,
O estrondo feriu

a atmosfera
E pelas paredes enclaustras
Atingiu a Enoi, a jovem dos pobres.

Cai o corpo esfacelando a gamela,
Cegos, todos se levantam e na janela
O estampido a se distanciar,
A fumaça do lampejo a vagar.

Logo fêz-se na cidade alvoroço,
Aos prantos pelos cantos
À sombra daquele esboço.

Assim partiu Enoi Nunes Santos
A jovem da caridade sem esforço
E hoje um espírito sacrosanto.

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O EFÊMERO SOMENTE

Tudo é efêmero tudo é o nada,

Sim, tudo é efêmero, nada é,

Se buscas o absoluto

absolvo-te o teu luto.

Se não desejas o efêmero

para quê viver o prazer

Se a morte, somente a morte

sobrepuja a memória?

Toda a onda que viveres

será tão e somente a própria história.

A felicidade de todos os dias

anda latente em tua memória,

e jaz ferrenho e duradouro

como o prazer da própria carne.

És o pó, e dele o teu calabouço.

Triste engano de quem julga ver

que somente o Sol brilha;

Neste universo latente,

O meu e o teu corpo e a alma fremente

sobreviverá ao termo que se alinha,

Somente a vida ao bem, somente.

E também as emoções


Onde
o tempo e a vida
se perderão no esquecimento;

Somente o que fica puro
o tesouro imensurável da família
viverá nesta longa viagem.


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EU E A CRUZADA II


Meu nome é Jean Florence Baptiste, tenho 33 anos de idade apesar de minha aparência de 50 anos! Nasci em Paris, capital dos Francos no ano de 1.162. Estou há doze anos nos subterrâneas da prisão do Castelo de Clemont. Os motivos da minha prisão? -Desconheço-os. Fui acusado de conspiração, assim como meu pai. Mas ele teve um atenuante... foi morto imediatamente enquanto eu sofro terrivelmente. Estou sendo consumido lentamente pela angústia de ainda continuar vivendo. Faz dois anos que estou preso às paredes de pedra da prisão, sem poder sequer passar a minha mão do rosto e sentir-me as rugas do tempo, sentir a minha língua ou limpar meus olhos. Já não tenho mais os dedes dos pés e de minha mão esquerda e também parte de minhas orelhas foram consumidos pelos ratos que me sobem pelas pernas. Sinto os vermes sob meus pés em busca do alimento voraz. São milhares que pululam na ânsia do alimento. A tortura da fome e da sede, do frio intenso e dessas grossas correntes que me prendem às paredes, nada representaria se eu soubesse os motivos de minha prisão, no entanto aqui estou, preso às corrente do tempo e me pergunto: -Até quando? Até quando suportareis essa tortura? Se Deus existe, porque permite que eu sofra dessa forma? O que fiz para assim sofrer? São perguntas que permanecem sem respostas, apenas o silêncio a me dar a resposta que não quero ouvir. Ouço o nada e o nada zomba de mim.
Nos momentos de contato que tenho com meus algozes, procuro registrar nos papiros o meu sofrimento. Mas para quê? Quem me ouvirá os lamentos? Quem me socorrerá dos tormentos que passo? Quem os lerá? Por acaso alguém poderá saciar-me a sede?
O que escrevo é o que se segue e juro, tudo o que digo é o registro da verdade. Tudo começou quando...
Meu pai era italiano de Florença e conheceu minha mãe quando de uma de suas viagens como negociante de peças de algodão e com ela se casou em fins do ano de 1.160 e passaram a viver nos arredores de Paris. Ele se chamava Jean Baptiste, homem simples e trabalhador, vivia do transporte de pedras para a construção de grandes castelos dos nobres que alijavam protegerem-se de possíveis ataques dos mouros que ainda rondavam toda a Europa, particularmente a França.
Um dia, quando eu tinha quase doze anos de idade, soubemos que meu pai havia sido acusado de conspiração e por isso, sem julgamento algum ele foi enforcado em praça pública. Assisti a cena dantesca em que o corpo de meu pai girava e se balançava pendurado sob o olhar e os gritos da turba que de punhos levantados gritavam: “ morte ao traidor”. Pude perceber a presença de alguns de seus supostos amigos que até a um dia antes beberam com ele e abraçados saiam do albergue em busca de suas mulheres.
A minha mãe também foi presa e torturada durante meses, mas recebeu a liberdade depois de muito sofrer nas mãos de verdugos impiedosos. Ela foi estuprada, vilipendiada, açoitada, amarrada e entregue aos verdugos impiedosos, queimaram seus pés com brasas e um de seus olhos foi arrancado. Tudo isso para que ela confessasse um crime. O crime de ser a mulher de um inocente. Minha mãe foi uma ave abatida caída no bosque entre as flores da maldição. Começou a definhar e poucos dias depois de sua libertação ela morria. Estava só em seu catre de madeira rústica. Somente eu e Elian, minha irmã de 9 anos estávamos presente. Minha mãe morreu vomitando sangue.
Havia os que diziam que o demônio queria possuí-la, por isso ela vomitava sangue. Mas no momento extremo nenhum deles ousavam aproximarem-se de mamãe. Poucos dias depois de sua morte, Elian desapareceu para ser seu corpo encontrado depois, decapitada. O seu corpinho inocente estava parcialmente enterrado sob uma grande quantidade de folhas. Seu corpo dilacerado pelos animais do bosque não escondia os sinais da violência humana.
Durante meses vaguei pelas ruas de Paris no meio à podridão. Somente os animais se davam ao luxo de comer, comiam os restos dos restos e eu me sentia melhor ao lado dos animais que saciavam a sede e a fome enquanto os homens ansiavam o assalto e o sangue dos assassinatos que eram cometidos diariamente. Eu por mim, ansiava por me tornar um animal.
Iniciava-se o inverno daquele ano de 1.187 sem perspectiva de melhora. A fome e a miséria assolavam cada vez mais enquanto as mortes provocadas pelas pestes que surgia inesperadas matavam milhares de pessoas. Todos os meses grande quantidade de famílias se mudavam para destinos ignorados em busca de melhores dias.
Um dia, nobres cavaleiros montados em suntuosos cavalos com um grande aparato, percorreram as ruas da cidade, anunciando que iria ocorrer um novo chamamento para a humanidade e que todos os homens se livrariam do fogo impiedoso do inferno. Um novo tempo para todos os homens anunciavam eles; todos as pessoas deveriam comparecer para ouvirem a proclamação do Papa Eugénio III. Por meio de uma Bula dirigirá à nobreza francesa e ao Rei Luiz VII uma expedição que foi pregada por São Bernardo de Claraval na recém construída igreja da abadia beneditina de Vézelay, no Norte de França, importante local de peregrinação devido às relíquias de Santa Maria Madalena. O rei de França Luís VII, de acordo com a vontade de São Bernardo, colocaram-se à frente do movimento para ouvir o papa anunciar novos tempos para todos. Imediatamente o povo começou a se movimentar em direção à Paris onde o papa Eugênio III anunciaria um novo paraíso feito de muita comida para todos.
Naquela audiência havia muitos bispos e também a presença dos nobres e muitos cavaleiros. No discurso, o papa tentou convencer os espectadores a embarcar numa missão que parecia impossível: cruzar 3 mil quilômetros até a cidade santa de Jerusalém e expulsar os muçulmanos, que dominavam o lugar desde 638.
Do alto de onde ele estava, ouvi claramente ele prometer: “quem lutasse contra os infiéis ganharia perdão de todos os pecados e lugar garantido no paraíso”.
A multidão eufórica gritava: "Essa é a vontade de Deus". “Deus está conosco”
Foram mais de duas horas de pregação. Impressionei-me com as palavras do Santo Papa e uma força desconhecida tomou conta de mim e passei a gritar: “Morte aos pecadores”. Dali em diante, apesar da fome, passei a ver com freqüência aquela cruz vermelha inserida no peito de muitos nobres e cavaleiros identificando os "soldados de Cristo", ou, simplesmente, "cruzados".
O discurso do Papa não me empolgou somente, também empolgou os camponeses pobres, até os miseráveis que na verdade, tinham muito que ganhar. Logo passamos a ouvir os padres nas igrejas que incitavam as pessoas a seguirem as ordens do papa. Nas ruas e nas catedrais, os padres eram unânimes, deveríamos seguir para a Palestina e livrar a Terra Santa do jugo dos infiéis. As determinações dos pregadores populares que incitavam a todos que passavam, era a de atacar os "infiéis". A promessa de remissão dos pecados, aliada à chance de poder comer, atraiam grande multidão e muitos pensavam em pilhar os tesouros lendários. Começaram-se os ajuntamentos nos campos em volta de Paris. Eram homens de todas as idades, velhos, mulheres e crianças que se preparavam para a grande aventura. Uns amarravam pedaços de madeira na cintura, outros fabricavam armas rústicas, e outros se armavam de paus e pedras. Todos eles estavam como que dominados por uma força, a força de algo desconhecido, cientes de que libertariam a palestina do jugo dos muçulmanos. Todos resolveram se lançar na aventura.
Iniciou-se a caminhada sem uma ordem ou uma organização que pudesse ter resultados. Tudo se fazia sem uma determinação superior. Uma grande massa de pessoas se movimentando e deixando para trás suas famílias, amigos e o lugar que nasceram e cresceram. Eram milhares de meninos que corriam entre os cavalos e as carroças em busca de aventura. Outros milhares de jovens adolescentes que procuravam imitar os soldados a cavalo vestindo-se como eles. Tudo na esperança de conquistar uma posição entre os cavaleiros.
No começo tudo parecia se tornar uma simples aventura onde a fome desapareceria e brindávamos a vitória tendo Jesus à frente de todos. Era a vontade de Deus e por isso estávamos confiantes. Deus estava conosco, assim dissera o padre e ele estava com a verdade. Deveríamos obedecê-lo, estaríamos salvos do fogo do inferno. Diziam os padres que quanto mais muçulmanos matássemos, mais perdão receberíamos. Não seria pecado matar. Era necessário livrar a Terra Santa do jugo dos infiéis e Deus estava do nosso lado. Nada teríamos a temer.
Antes mesmo de chegarmos à Palestina, algo me preocupava. Nossos soldados estavam dispostos a exterminar tudo e a todos que estivessem no caminho. Comecei a deparar com dezenas de cadáveres de mulheres e crianças que indefesas, eram mortas pelo fio da espada. Velhos, mulheres e crianças que não ofereciam perigo algum, eram degoladas somente porque falavam outras línguas e não o francês. Centenas de casas de camponeses eram saqueadas e depois incendiadas e seus ocupantes enforcados.
Depois de muitos reveses de lutas e conquistas entramos em Jerusalém, mas não encontramos soldados defendendo a cidade. O que havia eram velhos adultos, mulheres e crianças, como sempre, inocentes que não ofereciam perigo; muitos doentes e famintos e outros tantos inocentes que se trancavam em suas casas desesperados abraçando seus filhos e outros se encolhendo nas paredes de pedra das casas.
Os sobreviventes tiveram de enterrar os parentes rapidamente antes que eles próprios fossem presos e vendidos como escravos. Dois dias depois, não havia sequer um muçulmano em Jerusalém. Tampouco havia judeus. Nas primeiras horas da batalha, muitos deles participaram da defesa de suas casas. Mas, quando os cavaleiros invadiram as ruas, os judeus entraram em pânico. A comunidade inteira, repetindo um gesto ancestral, reuniu-se na sinagoga para orar. Os invasores bloquearam as saídas, jogaram lenha e atearam fogo à sinagoga. Os judeus que não morreram queimados foram assassinados na rua.

Quando vi todos aqueles inocentes serem exterminados, milhares de pessoas; as mulheres sendo estupradas e depois mortas. Os saques nas mesquitas e casas. As ruas se transformando numa imensa poça de sangue, comecei a gritar que parassem com aquela atrocidade. “Deus não queria isso. Devemos matar os muçulmanos e não inocentes! Nossos inimigos não eram aqueles. Nossos inimigos estavam nos campos, nos aguardando”. Meus gritos não eram ouvidos. Os que viam de trás ignoravam-me e de espada em punho seguiam à frente desfechando golpes mortais. Ouviam-se os gritos de misericórdia e nada mais! Mas foi com desespero que vi ao longe uma criança que muito se parecia com Eliem. Ela escondia o rosto com as mãos e seria morta por um dos nossos, corri de arma em punho e ataquei meu companheiro e o matei pelas costas. Os poucos que ali estavam comigo, cercaram-me e logo senti uma forte pancada na cabeça.
Despertei do golpe violento quando era rastejado por alguns dos nossos para o campo, para ser entregue a Guy de Lusignan então governante cristão de Jerusalém nas cercanias da cidade, quando de repente, ouvimos os gritos de morte de vários combatentes. Todos correram enquanto que fui deixado para trás. Fui feito prisioneiro uma segunda vez e amarrado, fui levado em um cavalo até a presença de um homem que se transformaria no herói da reação muçulmana era um soldado curdo chamado Salah al-Din, conhecido no Ocidente como Saladino.
Algo me dizia que chegara o momento supremo de minha existência. Em suas mãos, uma grande lâmina curvada e larga, dava-lhe o aspecto de um assassino frio. Mas quis o destino que eu vivesse. Vivesse para levar uma mensagem aos barões do ocidente e fui libertado.
Quando entreguei a mensagem ao barão que comandava as tropas dos francos, fui preso e jogado em uma prisão. A vitória contra os francos e a ascensão de Saladino reforçou a idéia de que eu participara da traição e por isso fui conduzido ao ocidente.
Fui acusado de conspiração contra a Cruzada e contra Deus. A Igreja acusava-me de traição devido a mensagem de Saladino que ordenava entregar a cidade ou todos morreriam e Deus deixaria de existir. Deus só existe porque Jerusalém ainda estava de pé. Com a destruição de Jerusalém nosso Deus deixaria de existir.
Levado que fui para Paris, preso e incomunicável aqui permaneço. Amanhã serei entregue aos verdugos da Praça de Paris onde serei consumido pelo fogo. Assim prescrevia as leis vigentes... Eu era um traidor e a morte não seria um tormento, mas um alívio para a minha alma. Assim diziam os padres que visitavam e proclamavam a minha libertação: Libertação da Alma através do fogo santo.
Aquela seria minha última noite. Meu corpo esgotado pelas torturas constantes não sobreviveria até amanhã. Quando os primeiros raios solares despontaram no horizonte, mostrando os telhados das primeiras casas, nas proximidades da prisão, um vulto negro penetrou na cela rústica, coberta de terra e sem dificuldades livrou-me das grossas correntes. Sem forças para falar, deixei-me ser conduzido e logo outros vultos negros ergueram-me do chão e fui levado dali para além das muralhas do grandioso castelo. Ao sentir o odor das plantas, e a suave aragem matinal entrando-me pelas narinas até os pulmões, uma nova perspectiva de vida inundou-me o ser. Respirei fundo o ar puro da floresta com seus perfumes. Chegamos então até um casebre de palha onde outras pessoas se encontravam. Deitaram-me em uma cama igualmente de palha e deram-me o que beber. Fazia anos que não bebia tanta água e de tanta emoção, um sono profundo tomou conta de mim e dormi.
Dois dias depois despertei do sono profundo e fui informado de que meus salvadores eram os meus inimigos da Palestina, o muçulmano curdo chamado Salah al-Din, o Saladino em pessoa viera salvar-me da morte. Soubera ele da acusação imposta pela Igreja e considerou que não poderia permitir tal situação.
”Os verdadeiros reis não se matam uns aos outros.” Essas foram as suas palavras
ditas a Guy de Lusignan, então governante cristão de Jerusalém recém tomadas pelos muçulmanos e que agora se comparava ao grande guerreiro e líder que ele era. O governo de Saladino foi o mais popular da história. Um homem justo, um homem capaz de realizar proezas como a de me livrar da morte em uma terra estranha e distante um homem que ele mal conhecia. Saladino merecia o respeito do povo, e em particular de seus soldados. Por isso sigo-o hoje, defendendo-o e aprendendo com ele a me acostumar a comer e vestir como eles. “Ao contrário dos califas fatímidas, Saladino não exigia que o povo pagasse imposto para ele acumular uma fortuna pessoal. Recompensava muito bem seus soldados e impedia que o país fosse assolado pela fome”.
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1974 – A Ditadura e a Fuga para o Piauí

Na década de 1970 os jovens viviam em plena repressão militar no Brasil em tempo de hiper movimentos revolucionários. Compartilhavam agitações políticas e culturais com muito interesse e igual intensidade. Jamais viveram tantos movimentos e a década em epígrafe é a que trouxe mais violência em toda a história da chamada época “Anos de Chumbo”. Os jovens criavam tantas idéias que o mundo estava prestes a grandes transformações. Acreditava-se em mudanças coletivas, de conscientização de todos. As expressões comumente usadas pelos jovens adolescentes da época eram: liberação, conscientização, piração, repressão, revolução, contestação.

Tinha o jovem uma idéia básica: contestar o sistema. Transformar o sistema, e o momento era aquele. Os fatos estavam acontecendo e aquela geração tinha certeza de que não dava para esperar. Acreditava-se na luta política, tudo era político e o marco da liberação mostrava aos jovens que já era tempo. A oportunidade de o mundo mudar era aquela.

Eles queriam o fim do regime autoritário a todo custo. Via-se ouvia-se, falava-se, comentava-se a luta armada. Mas aonde e como fazer isso? E foram os jovens, adolescentes ainda que embarcaram na aventura de uma luta para ver o Brasil livre. Para conquistar a liberdade de reunirem-se em grupo, de se enturmarem com novos amigos, de ir e vir e finalmente de poder cantar: “...Quem sabe faz a hora não espera acontecer...”

Os adolescentes, mesmo imaturos, descobriram como era importante fazer as coisas unidas, compartilhando as alegrias e tristezas e lutar coletivamente. Sabia-se quando haveria passeata e as faixas estavam sempre prontas, pintadas com os dizeres: “Abaixo a ditadura”, “Fora imperialismo americanos”, “Abaixo governo corrupto“.

Estamos no ano de 1974, residindo na zona norte da capital paulista desde 1966, Com a idade de 23 anos, trabalhava na Empresa Anser Eletrônica Ltda., na Av. Duque de Caxias, próximo ao Largo do Arouche.

Junto aos bons amigos, André Carlos, Cícero de Santana, Mauro e Zé Preston, todos os rapazes com idades entre 18 e 25 anos, estudantes de vários colégios da região do Bairro Carandiru e Santana, havíamos nos reunido para articular a nossa participação na manifestação que ocorreria brevemente. De fato, estava programada uma passeata para o dia seguinte as 16 hs., Formada por estudantes universitários e classes operárias.

Entretanto, sem a adesão de trabalhadores e estudantes, o movimento foi considerado um fracasso, com prisões de muitos companheiros nossos, como veremos a seguir.

Nessa assembléia, acontecida na casa de um deles na rua Milton no Bairro Izolina Mazzei, combinamos nossa participação com detalhes na passeata que teria início na Praça Ramos de Azevedo junto ao Viaduto do Chá, no centro da cidade.

Por nossa conta e risco confeccionamos as faixas, cartazes e bandeiras que iríamos afixar em pontos estratégicos do viaduto, ou seja, nos parapeitos do viaduto e postes, sendo o nosso compromisso importantíssimo como material de propaganda e de distribuição, mas por isso mesmo muito perigoso. Estávamos determinados em cumprir a missão a qualquer custo. Não ousamos nos curvar.

Éramos operários, populares, estudantes, sindicalistas, trabalhadores de várias classes que lutávamos por uma causa justa.

As passeatas e atos públicos, reuniões, assembléias estavam proibidas e foram reprimidas e desarticuladas em 1968. Desde então quase não havia mais greves devido à forte repressão do governo; mas estávamos decididos a prosseguir, mostrar o nosso repúdio àquele governo que se fixou no poder na base da força e do medo.

Através de Atos Institucionais fecharam-se sindicatos e eram nomeados sindicalistas de confiança do governo, os chamados pelegos. Congelamento de salários; não se podia criticar o governo, seria crime de segurança militar; extinção dos partidos políticos; censura às correspondências; fechamento do Congresso; censura à TV, rádio, revistas, jornais, cinema e até a letras musicais e novelas. Pequenas concentrações eram logo dissolvidas pela polícia.

Qualquer um poderia ser acusado de comunista e ser preso sem ordem judicial. Os soldados armados de fuzis prendiam milhares de pessoas: dirigentes populares, intelectuais, políticos.

Não éramos baderneiros como queria o governo ditatorial que acusava os estudantes de subversivos. Sempre que ocorria alguma manifestação, pequena que fosse, “os homens” chegavam descendo o cassete e chamavam a atenção da opinião pública acusando os manifestantes de arruaceiros e depredadores dos órgãos públicos ou simplesmente de quadrilheiros.

Sabíamos que poderia ocorrer a presença de policiais infiltrados em nosso meio, resultando em prisões e até o desaparecimento de algumas pessoas. Não ficava vestígio algum. Completo desaparecimento.

Colegas nossos desapareceram da noite para o dia. A família buscava hospitais, abrigos, delegacias, cemitérios sem encontrar qualquer sinal. Não os víamos mais. Eram amigos nossos costumeiros das nossas bebericagens, estavam sempre presentes. Mas logo sumiam e por isso eram considerados desaparecidos.

Os infiltrados eram silenciosos. Por isso nosso comportamento havia mudado de maneira drástica. Era “proibido” dar notícias para curiosos, aqueles que queriam saber de detalhes e coisas assim. Nós os chamávamos de metediço, aquele intrometido - O bisbilhoteiro que quer tudo saber. Mas mesmo assim era difícil e muito arriscado... Não tinha como saber quem seriam. Poderia ser um dos nossos. Poderia estar do nosso lado, colaborando conosco, mas não se podia saber. Ocasionava, por isso, uma grande preocupação. Tomavam-se precauções, desde mudança de nossos nomes e nossos endereços. Usamos sempre um codinome, desde que fosse nosso conhecido.

Dia seguinte lá estávamos nós sobre o Viaduto do Chá instalando as faixas e cartazes proibidos. Aos poucos foram chegando as manifestações, moças e rapazes e alguns outros simpatizantes do movimento. Alguns sobraçando livros, outros carregavam pequenas sacolas onde continha certamente ovos previamente decompostos, para maior efeito, outros aprestados com estilingues e bolinhas de gude, únicas armas que possuímos.

A Praça Ramos de Azevedo já aglomerava um pequeno grupo. Mas a cada momento crescia o número de pessoas, jovens estudantes na sua maioria. Concentravam-se próximo à fonte da praça, formando um circulo à sua volta. Quando o numero de pessoas chegasse a fechar os cruzamentos, parando o transito de automóveis, seria o início da passeata. O grupo crescia sempre e estava chegando o momento de descer o Anhangabaú até a Av. São João, depois Av. Ipiranga e Consolação até a Av. Paulista, onde faríamos nova concentração em frente ao MASP. Depois a manifestação seria dissolvida e marcada um outro alhures.

Entretanto, de repente, lá por volta das 18 hs., André Carlos e o Mauro chegaram num alarido ensurdecedor, gritava aos quatro ventos a chegada da polícia, carregando o que sobrou das faixas que não foram colocadas no parapeito do Viaduto do Chá. Na verdade, tratava-se da tropa de choque da Polícia Militar, antiga Força Pública que tinha quartel na Av. Tiradentes no Bairro da Luz, como há de ser ainda hoje. Montava-se, finalmente a comitiva de honra, os homens, a polícia.

Do alto da Praça Ramos de Azevedo, nas escadarias do Teatro Municipal onde eu me achava, pude ver a chegada do grosso da tropa, composta na frente de cavalarianos e de policiais armados de escudos e cassetetes, além de cães pastores alemães.

Nosso grupo que se achava na praça, subiu as escadarias numa corrida dificultada pelo encontro inesperado do grupo que descia, mas em seguida, sob a voz de comando, se reuniram em frente ao Teatro. Alguns empreenderam fuga espavorida, desaparecendo para os lados da Rua Xavier de Toledo e Viaduto do Chá, outros, dezenas deles, simplesmente recuaram postando-se como expectadores e dali passaram a meros assistentes de um drama que ficou inesquecível para muitos. Ficamos postados em frente ao Teatro esperando a chegado da tropa que continuava enfileirada abaixo da Praça. Aguardavam supostamente ordem de comando.

Estávamos bastante inferiorizados em número de manifestantes. Muitos fugiram juntando-se à população. Não contávamos mais que 150 pessoas. Não tinha mais volta, lutaríamos se preciso fosse.

Corações acelerados esperamos. A nossa barricada era formada pelos próprios carros que ali se achavam e nossas armas, ovos, simplesmente e palavras de ordem. Não cessamos de gritar e cantar. Nosso rumor ecoava e repercutia no alto dos grandes edifícios e das janelas, e o que ouvíamos era aplausos e uma chuva de papel picado. A multidão nos apoiava. A emoção nos alcançava e nos dava alento para prosseguir naquele prélio. Eu pensava: “Se eu me evadir, quem tomará meu lugar, que será de nós?”

Tomado por esses pensamentos, continuei junto aos companheiros esperando o que pudesse nos suceder. Sempre com as palavras de ordem e com o punho erguido, gritávamos: “Abaixo a ditadura”, “Fora imperialismo americano”. E o hino da Liberdade que era o nosso refrão: “...Ou ver a Pátria livre ou morrer pelo Brasil”. E no fim, batendo no peito gritávamos todos juntos: “Brasil, Brasil, Brasil, Liberdade”.

Meia hora aproximadamente nesse impasse. De onde eu me achava, podia ver o Viaduto do Chá tomado de curiosos que esperavam impacientes o desfecho da batalha. A tropa policial permanecia em fileira aguardando ordens de seus superiores. Não contávamos, entretanto, com o estratagema da polícia que surpreendeu-nos pela retaguarda, pela nossa esquerda, subindo pela rua Conselheiro Crispiniano, mais de cinqüenta policiais fechava a rua em toda a sua extensão.

Num relance, achei que a luta era iminente sem considerar, no entanto, perdida, mas o fantasma das prisões estava presente nos dava pretensão de retroceder, de recuar para lugar mais seguro. Procurei sair. Pela praça não se podia, estava fechada. Muito menos ainda pela rua Conselheiro Crispiniano que dá acesso para a Av. São João.

Pensei em contornar o Teatro Municipal para chegar até a Rua Xavier de Toledo e depois a 7 de abril. Mas, de fato, estava errado. Fomos surpreendidos por dezenas de policias que caíram sobre nós sobrando cacetadas pra todo mundo. Foi um Deus-nos-acuda. Um tumulto generalizado se formou. Uma batalha se instalou naquela esquina antes tão calma, e por um segundo ficamos sem reação. Foi impensado. Inesperado.

Repentino. Bem à nossa frente estavam os homens da lei. Capacete, escudo e cassetete de madeira atingindo a tudo e a todos. Ouviam-se gritos de dor, palavrões, pedradas voavam pra todo lado e o tilintar de botas e o barulho surdo das bombas de efeito moral. Densa fumaça branca se formou à nossa frente enquanto a borracha descia solto no lombo de todo mundo. Para a polícia não havia distinção de cor, raça, clero, estudante ou não, transeunte, populares, seja quem for que estivesse ali era motivo pra descer o cacete e prisões.

Sem preparo, apenas com estilingues e ovos, nossa única saída seria correr, e a confusão foi maior. Quebra-quebra, pisoteamento, palavrões.

Ao meu lado, bem ao meu lado, agachado junto a um carro no meio da via pública, um rapaz companheiro do Mauro tinha sido atingido na cabeça por uma bomba de gás lacrimogêneo que explodiu a seguir debaixo do carro. Atingido, o sangue fluiu aos borbotões escorrendo pelo rosto empapando de sangue o asfalto. Ali mesmo ele ficou.

Aquele lugar não seria mais o mesmo, se tornou numa verdadeira zona de guerra onde cada um procurava livrar-se da truculência dos policiais, enquanto outros reagiam com pedras, paus e estilingadas que zoavam sobre a lataria dos carros.

No meio do alvoroço, ouvimos alguém gritar: -“Pela 24! Pela 24 – Vamos pela 24!” Foi providencial. A saída, uma fresta se abria, era um alívio. Pois a Rua 24 de maio estava livre. Nem transito de automóveis havia. O pequeno grupo, como que dominado por um sentido de conjunto, movimentou-se em direção à Rua 24 de maio. Numa corrida sôfrega contornamos o Teatro Municipal e alcançamos a 24 de maio.

Suspiramos aliviados. Havíamos nos livrado da prisão. Mas algo me perturbava, não conseguia visualizar meus companheiros. Teriam sido presos? Felizmente não, logo encontrei o pobre do Cícero e Zé Preston que jaziam sentados no chão, com manchas de sangue na cabeça e hematomas por todo o corpo, contorcia-se de dor. Pode apenas dizer que o Mauro havia sido preso e levado num camburão da polícia e que o André havia escapulido pelo Anhangabaú. O Zé Preston estava em melhores condições e logo estava de pé, ajudou o Cícero a se levantar e caminhamos cambaleantes em direção à Praça da República.

Não tivemos tempo de chegar à Av. Ipiranga quando em poucos minutos passava por nós um pelotão de soldados conduzindo cães pastores alemães.

Quando passavam bem próximos, tivemos ainda um pouco de sustento e de coragem para compensar nossa derrota e entramos a desafiar a polícia. A tropa em passos cadenciados, no ritmo dos passos, inicia a ajustar o escudo que os protegia quando em conjunto e em voz alta, gritamos: -“Um..., dois..., um..., dois...”! - Foi o bastante!. De súbito, os soldados enfurecidos, atiçaram os cães igualmente enraivecidos sobre a população que espavorida corria pra todo lado, chocando-se uns contra outros numa amálgama indescritível. Pessoas idosas sendo jogadas ao chão, vitrines estilhaçadas, desmaios e até disparos de arma de fogo.

Novamente batemos em retirada conduzindo o ferido em direção à Praça da República. Com dificuldade, ocultando os ferimentos que Cícero carregava conseguir levá-lo até a sua casa no Bairro Jardim Brasil onde foi medicado.

Depois das repreensões da sua família que não permitiu que o visse mais, voltamos para casa na companhia do Zé Preston que residia na Rua Feital. O André morava na mesma rua em que eu morava. na Vila Izolina Mazzei.

Dia seguinte soube da notícia que nos alarmou. A família preocupada com os seus ferimentos levou-o ao Pronto Socorro de Santana na Av. Voluntários da Pátria. Quando voltaram para casa no Jardim Brasil, esperava por eles uma guarnição da Política Militar que o levou à força para local ignorado.

Soube-se também que uma unidade móvel da PM esteve investigando, ou seja, indagando da população a participação de outros manifestantes residentes na região. Evidentemente que a população jamais se compactuaria com a polícia. Pelo menos tínhamos esse consolo e proteção.

À tarde, André apareceu em minha casa muito assustado, falando da repreensão recebida de seus pais e que os mesmo o levaria para Jundiaí. Devido a prisão do Mauro e do Cícero, as coisas estavam muito difíceis; o melhor seria desaparecer por um tempo. Os jornais não relataram o episódio da Praça Ramos de Azevedo. Completo silencio do fato ocorrido. Era como se nada tivesse acontecido.

Ao contrário da família de meus amigos, a minha família sequer soube do sucedido. Era melhor assim, jamais quis envolvê-los nos meus problemas. Mas eu pensava: Não seria de todos os problemas da nação? Mas estavam distantes dos problemas sociais que nos envolvia naquela época. Acredito que teriam medo de perder a pensão do governo que meu pai deixara. Preocupavam-se com os problemas domésticos supostamente muito mais em voga para eles.

Acompanhei André até à sua casa ponderando e lamentando os amigos presos. Subindo a rua Milton até o posto de gasolina onde o Toninho e José Preto trabalhavam. Na nossa chegada, acercaram-se de nós e relataram que a polícia passara por ali minutos antes indagando sobre nomes e endereços de umas pessoas desconhecidas. “Ante nossa negativa seguiram pela Feital no sentido do Jardim Brasil” – disse ele.

“Pra mim chega, - disse André dando meia volta e retornando para sua casa. Agradeci o silencio dos amigos, passei em casa pegando apenas o mais necessário e fui para São Caetano do Sul, em casa de meu irmão Jeovah que residia na Rua Guia Lopes onde permaneci por dois dias chegando a vender calcinhas na feira para ganhar uns trocados.

Dias depois, após receber um pequeno ressarcimento da Amser Eletrônica Ltda., embarcava para Picos no Piauí, onde permaneci por quatro meses, trabalhando como Auxiliar de Topografia na Sondo técnica – Engenharia de Solos Ltda., no trecho entre a cidade de Picos e o povoado do quilometro 63 da Br 316.

Distante de tudo e de todos, isolados no meio da caatinga no chamado Polígono das secas, das terras interioranas de clima semi-árido e das menores densidades demográficas do Brasil, tinha a oportunidade de conhecer trabalhadores do sertão.

Homens que lutavam e ainda lutam amargamente para sobreviverem, uma luta inglória numa terra igualmente opressora. A opressão aqui não era militar, não havia censura, nem proibições. Mas era igualmente causticante, ou seja, o isolamento. Suavizada pelo carinho do povo, a sua incrível maneira de tratar as pessoas..., seu modo de falar e de cumprimentar. Cativou-me.

Encontrava-me na mesma estrada que poderia me levar para o grande centro, São Paulo, onde tudo acontecia. Por isso surgia de quando em vez na lembrança, a face rosada e transpirada de meus amigos na longínqua Rua Milton.

No meio daquele som perturbador que é justamente o silencio das matas, onde somente o rastejar dos teiús, réptil lacertílio e das avoantes que vez ou outra quebravam o silencio.

Mas enquanto perdurava o silencio, medrava em mim o desejo de sair do isolamento. Pensava: Se estou isolado, estou preso! Preciso rever a liberdade. Passo a cantar bem alto as canções antes proibidas. Ali não havia repressão e nem a truculência da ditadura, e eu cantava para o silencio. “Quem me ouviria? Quem taparia a minha voz ou que fazia para que os militares ficasse tão incomodados”?

Nas noites quentes da Pracinha Coração de Jesus, os picoenses pareciam desconhecer a tirania do governo e as lutas pela liberdade que ocorria todos os dias no resto do país. Como a idéia da revolta contra os militares poderia chegar naquele recôndito triste e isolado do Piauí? Ditava em meu coração a convicção de que os militares meditam novas medidas de opressão contra o povo. Por isso, resolvi seguir esse farol de liberdade e jamais renunciar, seja por medo, seja pela prisão.

Reanimado com esses pensamentos, retornei à São Paulo decidido a novos lances de luta contra esse regime que nos esfolava a carne e a alma.

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TORQUATO NETO, O POETA TROPICALISTA

O poeta Torquato Neto será o grande homenageado da 5ª edição do Salipi – Salão do Livro do Piauí, que acontece no período de 4 a 9 de junho de 2007 .A homenagem é mais do que justa porque Torquato contribuiu e continua a contribuir para dar visibilidade à face luminosa do Piauí, ou seja, à nossa cultura. Torquato Neto ainda é um desconhecido para boa parte do publico brasileiro, daí a importância de reviver episódios de sua vida. Nascido em Teresina, Piauí, no dia 09 de Novembro de 1944 Torquato Pereira de Araújo Neto foi um ser singular, um ícone de uma geração.

Certa vez, em uma entrevista que fiz com o promotor público aposentado e pai de Torquato, Heli da Rocha Nunes, quando trabalhava como repórter de um jornal semanário de Picos, ele fez novas revelações sobre a vida daquele que foi um dos maiores poetas piauienses. Ao saber que o assunto incluía falar sobre a vida de Torquato Neto, Heli ponderou: “quando se trata do meu filho, manda o coração. Meu coração observa Torquato como um homem inteligente, que possibilitou transformar a cultura. Eu não sei avaliar até onde foi a influencia dele, sei que foi verificada no Rio, São Paulo, Rio Grande do Sul... Vejo Torquato como filho, um pedaço que foi brutalmente arrancado de mim”.

Em sua entrevista, Heli nos faz algumas revelações sobre seu filho, afirmou que nunca quis interferir diretamente na sua educação, pois seu erro grave foi esse e que agiu assim para evitar luta com sua mulher. “Ela era católica e o espiritismo defende outros princípios de educação, diferente do catolicismo”.

Confira abaixo as declarações de Heli Nunes:

“Desde cedo Torquato manifestava desejos estranhos. Já escrevia e recitava versos. Aos cinco ou seis anos de idade ele fez o seu primeiro verso: ‘Meu pai é Heli, minha mãe Salomé e o resto ainda vem aí’. Foi a primeira poesia dele. Ninguém mais na família tem carreira poética. Eu achava aquilo tudo bonito, quando ele completou seus 17, 18 anos ensejou viagens para estudar, logo ele saiu do Piauí. Disse que aqui não tava mais dando certo para ele e quis ir para a Bahia, onde iniciou o primeiro ano do Ginásio. A mãe foi contra, mas achei que seria importante para ele desenvolver sua intelectualidade.

Lá, ele ficou interno no Colégio Marista, passou algumas dificuldades de adaptação, mas superou. Um dia o padre pediu que ele fizesse algumas atividades de matemática no quadro e ele não soube fazer nada. Depois, estudou muito para aprender todo o conteúdo e quando foi chamado novamente à frente, respondeu tudo que o padre quis. O padre disse que Torquato era um aluno diferente, era o ‘Piauí’. Ele era um rapaz brilhante. Pena que depois caiu nos tóxicos. Estudou no mesmo colégio que Gilberto Gil, em Salvador, tornando-se amigo do compositor, conheceu também os irmãos Caetano Veloso e Maria Bethânia.

Inquieto, Torquato Neto foi expulso da escola de padres, mudando-se para o Rio de Janeiro em Janeiro de 1963, onde iniciou um curso de Jornalismo. Sem o diploma, começou a exercer a profissão em diversos jornais carioca.

Foi um dos mentores intelectuais do movimento tropicalista, participou da famosa capa do LP Tropicália ou Panis et Circenses (sentado ao lado de Gal Costa). Nesse disco estão incluídas duas de suas composições: Mamãe, Coragem e Geléia Geral (considerada o verdadeiro manifesto tropicalista).

Um dia após completar 28 anos de idade, ligou o gás do banheiro e suicidou-se, antes, deixou um bilhete: ‘Tenho saudade, como os cariocas, do dia em que sentia e achava que era dia de cego. De modo que fico sossegado por aqui mesmo, enquanto durar. Pra mim, chega! Não sacudam demais o Thiago, que ele pode acordar’. Era 10 de novembro de 1972 e o Brasil perdia um de seus maiores e mais geniais poetas.

Complicado, culto, meigo, provocativo, exaltado e autodestrutivo, combinava inteligência precisa e poética aguda resultando uma obra singular, mas suas crises de melancolia e insatisfação o faziam eliminar boa parte de sua produção literária.

Torquato era magro, pálido, pés grandes, mãos longas e possuía uma certa sensualidade, algo que nem mesmo os excessos alcoólicos conseguiram apagar. Gostava de cinema, e escrevia compulsivamente, costumando preencher dezenas de cadernos com poemas e reflexões.

Torquato consumia, já à época da Tropicália, quantidade elevada de álcool, o que parece ter acentuado o estado depressivo que o perturbou em particular nos últimos quatro anos de vida. Por vontade própria, chegara a procurar clínicas de desintoxicação – foram nove internações, no Rio de Janeiro e em Teresina.

Eu nunca deixei faltar nada pra ele, papéis, máquina de escrever. Ele sentava e batia, começava a bater e batia até à meia-noite, uma hora, duas horas..., no outro dia tinha aquelas pilhas... A gente via que dentro do Torquato crepitava uma chama de genialidade, alguma coisa que extrapolava os limites do homem comum... era uma coisa genial.

Quando de sua ligação com Gilberto Gil, Torquato dizia: -‘Papai, o senhor pode esperar, o Gil ainda vai ser uma coisa grande no Brasil’. Ficaram amigos.

Depois de sua morte, Gil ia muito lá em casa beber cajuína. Bebiam cajuína e almoçavam comigo, ele e o Caetano. Choravam. Choravam muito. Olhavam para os quadros dele, para os quadros de arte do Torquato e choravam.

Torquato foi uma das pessoas pelas quais eu mais tive amizade nesta vida. A primeira foi minha mulher, pela coragem com que enfrentou todos esses dramas. A segunda foi ele.

Hoje, ele não é conhecido e reconhecido aqui no Piauí. Se perguntarmos a alguém do Rio Grande do Sul, todos o conhecem, é conhecido no Rio de Janeiro, São Paulo, ou onde as pessoas são mais intelectualizadas. Aqui no Piauí desconhecem o nome de Torquato Neto” – afirmou Heli Nunes emocionado.

Em 1973, Waly Salomão e a viúva Ana Maria Silva reuniram no livro Os Últimos Dias de Paupéria uma coletânea de artigos publicados ou inéditos, fragmentos do diário sobre a passagem do autor pelo hospício e poesias - escritos todos entre 1968 e 1972. Acompanhava um compacto com quatro músicas e comentários de Décio Pignatari, Hélio Oiticica, Haroldo e Augusto de Campos. Resultado de uma crise espiritual, essa obra importantíssima seria uma espécie de bíblia da chamada poesia marginal dos anos 70, e mais adiante de nomes como o titã Arnaldo Antunes. Nela, é possível conhecer a desenvoltura, inquietação e luminosidade do pensamento de Torquato Neto.

Torquato Pereira de Araújo Neto deixava uma obra pequena e original que se resumia a alguns poemas e 30 letras escrita, para músicas de Edu Lobo (Pra Dizer Adeus), Jards Macalé (Let´s Play That), Gilberto Gil (Soy Loco Por Ti América), Caetano Veloso (Mamãe Coragem) e Geraldo Vandré. Ele também foi ator de filmes experimentais, crítico de cinema, roteirista, produtor cultural, repórter de uma agência de notícias carioca e às vezes músico. Deixou a recordação de uma sensibilidade latente, uma rebeldia romântica entregue a perdição fatal.

Segundo Heli, ele não sabe o motivo do rompimento de Torquato Neto com os amigos baianos tropicalistas – “Não sei”, diz ele – perguntei isso algumas vezes, ele nunca me respondeu. Apenas dizia: “É passageiro... depois volta”.

Relata ainda que antes da sua internação em Teresina, Torquato fizera o vestibular para jornalismo, tendo sido classificado em 3° lugar. Ele disse: -“Papai, esse povo não sabe de nada, são professores?” - Seu pai dizia, “Você não tem nada com isso. Vá assistir às aulas deles, mesmo você sabendo que eles não sabem nada pra lhe ensinar, mas você tá assistindo as aulas”.

Quando de sua internação por uso de drogas e do álcool, sentia e manifestava o desejo de largar o vício; Mas que não podia deixar de usar devido ter se aprofundado demasiadamente nas drogas. Ele dizia: -‘Eu sou louco para deixar, mas não posso papai. Eu não posso deixar’. – Aí começava a chorar. ‘Não sei o que faço. Me ajude, papai!’ - “Uma das poucas grandes e raras inteligências nascidas no Piauí”. Disse Heli num murmúrio.

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